Apesar
de ter nascido em Santos/SP em 15 de maio de 1899, Amando Fontes foi de família
oriunda de Sergipe, Estado em que passa grande parte de sua infância. Nos
primeiros anos de sua adolescência, Amando demonstra sério interesse pelas
leituras ficcionais de José de Alencar, Eça de Queirós, Émile Zola, Ramalho
Ortigão entre outros. Sua trajetória de vida foi bastante dinâmica, sendo
jornalista, advogado e Deputado Federal e Estadual, passando por Estados como o
Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. A partir de 1946, como Deputado Estadual,
Fontes passa a influenciar a política do Estado de Sergipe com atuações de
destaque, sendo um dos signatários da carta Constitucional do mesmo ano. Fez
discursos, projetos, emendas, pareceres, o que garantiu-lhe a reeleição em
1950. O autor faleceu em 1º de dezembro de 1967. Em sua trajetória como
escritor literário deixou duas belas obras cujo cenário é sua saudosa Aracaju: Os Corumbas e Rua de Siriri.
O romance Os Corumbas foi publicado em 1933 quando Amando Fontes se
encontrava no Rio de Janeiro, logo consegue grande prestígio por parte de
grandes escritores da época como Mário de Andrade que felicita o autor por seu
romance ser bem escrito, entrelaçado, pela perfeição de seus personagens, e,
sobretudo, pelo seu dom de dialogação. João Ribeiro foi o primeiro crítico que,
na imprensa brasileira, se manifesta a favor de Os Corumbas por ser um romance
como poucos. Suas colocações elogiosas ratificam a repercussão positiva que
teve o romance para época em que foi publicado.
A década de 1930 representou na história
econômico-social brasileira uma ruptura definitiva com os moldes de produção
voltados somente para monocultura agrícola. A economia brasileira se
diversifica, a indústria e o comércio ganham força, o que confere o surgimento
de um modelo de exploração do trabalho concentrado nos centros urbanos.
Vestidos de modernização, esses novos hábitos de vida citadinos se mostravam
contraditórios, pois, ao mesmo tempo que havia o discurso de novos e bons
tempos, a miséria, a exploração, a falta de higiene e segurança nas fábricas
continuava relegando a classe trabalhadora aos modelos desumanos de vida
outrora percebidos no campo. No Estado de Sergipe, esse processo não foi
diferente, a elite político-econômica de Aracaju se apropriou do discurso
modernizador e civilizatório encabeçado pelo desejo dessa própria elite de
imitar o “avanço” da Europa em seu modelo fabril de produção em série,
introjetando na sociedade a necessidade de mudança através do trabalho. Essa
palavra (trabalho) passou a disciplinar a vida de quem morava em locais
estrategicamente periferizados pelas elites aracajuanas que buscavam as
melhores áreas da cidade para erguer suas casas.
É neste cenário de exclusão que o
romance que Os Corumbas representa
uma obra de reflexão sobre a realidade sergipana e brasileira, um romance sobre
o proletariado que mostra o revés da modernização.
Antônio de Alcântara Machado escreve
sobre Os Corumbas no ano de sua
publicação afirmando ser a obra a abertura de um novo rumo na literatura
brasileira, sem estigmatismo de folclorização da figura do retirante sertanejo
que foge para cidade em busca de melhores condições de vida. Assim, o romance
deixa de ser essencialmente idealizado, descritivo para ter um cunho ao mesmo
tempo neo-realista e pré-comunista.
Os
Corumbas trata da vinda de uma
família pobre do interior para a Aracaju industrializada. Em busca de melhores
condições de vida Sá Josefa e seu Geraldo saem com seus quatro filhos de um
pequeno povoado do interior sergipano para morar em Aracaju. Na cidade suas
filhas mais velhas Rosenda e Albertina poderiam trabalhar em uma fábrica de
tecidos e ter bons casamentos. O filho Pedro poderia conseguir um emprego como
ferreiro ou maquinista e a filha mais nova Caçulinha poderia estudar e ser
professora. Na cidade o ritmo de vida era guiado pelo apito das fábricas,
sobretudo a Sergipe Industrial e a Têxtil.
Devido a um longo período de estiagem, a
vida no campo se torna insustentável. Casados e com a necessidade de sustentar
os filho e lhes dar um futuro digno Sá Josefa e Geraldo vêem na cidade a
possibilidade de arrumar emprego e grande chance de melhorar de vida.
Porém, os seis anos que a família de Sá
Josefa passou na cidade foram repletos de decepções e desgraças, acontecimentos
que desonraram a família e retirou o sonho de serem felizes. Pedro, apesar de
ser fechado em seu mundo trava amizade com um intelectual, através do qual
entra em contato com textos de Lênin. A partir de então Pedro envolvido nos
ideais comunistas, participa de uma greve geral, fato que causa sua prisão e
consequente deportação para o sul do país.
Rosenda e Albertina tornam-se operárias.
Só que para desgosto da família, Rosenda foge com o namorado, o cabo Inácio dos
Santos. Albertina sofre assédio do patrão na fábrica, é iludida e abandonada,
logo caindo na prostituição.
As condições financeiras da família não
são boas, o que aflige e os obriga a
passar por uma série de constrangimentos. A desagregação da família leva Sá
Josefa e seu Geraldo ao infortúnio. A vida na cidade se mostrou perversa e a
única alternativa que lhes restou foi o retorno vergonhoso e desolador.
Apesar de ser considerado um romance
proletário, a obra não dá conta de todas as percepções possíveis do
proletariado. É uma história dentre outras que compunham o cenário
sócio-histórico da Aracaju moderna do início do século XX. Obviamente, nem
todas as famílias oriundas do interior tiveram um destino drástico como os
Corumbas, nem tão pouco há um antagonismo entre a cidade e o campo, este como
lugar bom e aquele como lugar ruim. Portanto é preciso levar em consideração o
caráter ficcional e a micro-história envolvida na trama. Todavia, podemos
destacar que, assim como tantas outras obras literárias ou não, o romance de
Amando Fontes é fruto de suas acepções, uma pessoa que escreveu mergulhada num
tempo e num espaço diferentes do nosso, com esperanças e desventuras do seu
tempo histórico, mas que mesmo assim consegue ser atual à medida que fala de
problemas sociais que ainda afligem nossa sociedade.
REFERÊNCIA
FONTES, Amando. Os
Corumbas. 25ª ed. Rio
de Janeiro: Editora José Olympio, 2003.
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