domingo, 6 de maio de 2012

RESENHA: A FORMAÇÃO DAS ALMAS- JOSÉ MURILO DE CARVALHO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA DO BRASIL REPÚBLICA

ACADÊMICO: Ronaldo Brasil dos Santos
ORIENTADOR: Professor Dr. Antônio Fernando de Araújo Sá





RESENHA: A FORMAÇÃO DAS ALMAS: O IMAGINÁRIO DA REPÚBLICA NO BRASIL

















São Cristóvão/SE,
26/04/2012


Não se pode negar a relevância do historiador José Murilo de Carvalho para a construção da História do Brasil. Primeiro historiador de profissão a ser membro da Academia Brasileira de Letras, autor de diversas obras significativas, algumas se tornaram verdadeiras bíblias para a historiografia brasileira comoOs bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi” e “A Formação das Almas: o imaginário da república no Brasil”. Este último é tema da presente análise. Carvalho nasceu em Anderlândia MG, é Bacharel em Sociologia e Política pela UFMG; mestre em ciências políticas pela Universidade de Stanford, Califórnia, 1969; Ph.D. em Ciência Política pela Universidade de Stanford, 1975; possui
especialização em Metodologia de Pesquisa pela Universidade de Michigan, 1967; é
Pós-Doutorado pelo Departamento de História da Universidade de Stanford, 1976-77 e é Pós-Doutorado pela Universidade de Londres, 1982;  Fez palestra em diversos países na Europa, África e América, recebeu vários prêmios.  Atualmente exercer docência como titular da UFRJ e trabalha com pesquisas no Brasil e no exterior.
Carvalho transita em seus estudos temas como cidadania, imaginário e República. Estes se personificam no livro “A Formação das almas: o imaginário da república”. A obra foi lançada um ano depois do aniversário do primeiro centenário da República. Assim, Carvalho procura discutir o significado da mesma, como o novo regime foi imposto para o povo e como se deu sua aceitação, já que o mesmo como disse Aristides Lobo viu a mudança de monarquia para República bestializados, ao menos nem se quer tinha noção do que estava se passando naquele momento, não se envolvia nos assuntos políticos, até porque era alijado desta esfera.
Porém era preciso dar suporte ideológico a tal acontecimento, a solução vista era forjar o imaginário popular e a ferramenta para tal usando-se abusivamente de símbolos, mitos, heróis e hinos, estes, incutidos na mente e na emoção das pessoas forjava-se o imaginário popular, unificando-os em um único propósito e em um único desejo, a redenção da República. A elite letrada travava um duelo ideológico para a implantação de um modelo ideal.  Eram três correntes ideológicas disputando o controle do que viria ser a república: o liberalismo americano, o jacobinismo francês e o positivismo. Dentro dessas correntes predominavam dois conceitos diferentes de liberdade. A liberdade da democracia direta clássica em que povo sai para a praça pública para deliberar sobre a política do Estado (defendida pelos Jacobinos); e a liberdade da democracia representativa com um líder eleito em que a população tem liberdade de propriedade, de religião e de opinião, liberdade individual (defendida pelos Positivistas e Liberalistas). O autor ressalta que maior importância deve ser dada a como estes modelos foram apropriados não somente pelas elites intelectuais mas por parte da população como se figuraram estes discursos.
Como discurso, as ideologias republicanas permaneciam abafadas no fechado circulo das elites educadas. Mas seja pelo próprio conteúdo do discurso, seja pelos elementos utópicos, eles acabavam por postular a saída do fechado e restrito mundos das elites, acabavam por defender cada uma, a sua maneira, o envolvimento popular na vida política. Esta era o caso da ideologia jacobina. Eles, inspiraram-se na Revolução Francesa. À época da proclamação da república, esta revolução era o exemplo mais poderoso da explosão popular na arena pública. Era também, de certo modo, o caso das positivistas ortodoxos. Embora em princípios, contrários a movimentos revolucionários, tinham a revolução de 1789 como marco na história da humanidade e sua visão de sociedade ideal era comunitária e incorporado. Em menor escala o modelo liberal poderia também exigir mudanças de ampliação da participação, porém em menor escala.
Como estas teorias densas chegariam ao espírito de um povo de maioria iletrado. Era preciso leituras simples, hinos, símbolos e personificar heróis. Tratava-se de uma batalha de titãs, onde o que se almejada era atingir o imaginário popular e recriá-lo dentro do ideal republicano, modelando condutas e visões de mundo. Esta é a tese da obra.
Em o livro Os Bestializados: o Rio de Janeiro e república que não foi José Murilo de carvalho permeia pelo mesmo tema. Aborda a participação das camadas inferiores da sociedade, no Rio de Janeiro, no período da Proclamação da República. Logo no início do livro, o autor cita o propagandista da República, Aristides Lobo, e o estudioso francês residente no Brasil, Louis Couty, com indagações a respeito da apatia do povo frente ao processo republicano. É a primeira vez, após a independência, que o país passa por um momento histórico de grande importância, discute-se a transição da monarquia para um estado republicano que pode colocar o próprio povo em igualdade, ao menos política, com as elites. Todavia, como o próprio titulo da obra sugere, o povo viu a mudança de regime bestializados, sem entender o que estava acontecendo, porém é interessante notar que o autor aponta para outra forma de participação popular, outras maneiras de reconhecimentos e jeitos de ser brasileiros, tais como carnaval e confrarias. Era assim que o povo dizia-se brasileiro e demonstrava sua apatia pelos assuntos políticos até porque eram alijados dos mesmos.
A herança ibérica deixada no Brasil foi de uma nação de muitos pobres e poucos ricos, índices alarmantes de analfabetismo, desgastes econômicos, preconceitos sociais, econômicos e étnicos, inexistência de limites entre privado e público e corrupção. É nesta esfera que Gilberto Freire (1987) aborda o conceito de estado patrimonialista. Carvalho aponta na obra em estudo o conceito de “estadania o qual converge pelo mesmo de Freire. Ele analisa que estado e cidadania se interceptam e se camuflam entre si, tornado-se, no Brasil, algo inseparável. Assim comenta:
...Bacharéis desempregados, militares insatisfeitos com os baixos salários e com os minguados orçamentos, operários do estado em busca de uma legislação social, migrantes urbanos de empregos, todos acabavam olhando para o estado como porto de salvação. A inserção de todos eles na política se dava mais pela porta do estado do que pela afirmação de um direito cidadão. Era uma inserção que se chamaria com maior precisão de estadania.   (CARVALHO, 1990, p.29)
               
                Além de todos estes problemas que nos foi dado de presente pela dinastia de Bragança o momento da proclamação não contou com uma boa recepção. O período era  delicada, visto que estava-se vivenciando um momento de crise. Assim nos diz Carvalho:

A febre especulativa atingiu de modo especial a capital do  país, centro dos acontecimentos que levaram a República. Em vez de agitação do terceiro estado a República brasileira nasceu no meio dos especuladores [...] não se podia nem falar na definição utilitarista do interesse público como a soma dos interesses individuais. Simplesmente não havia preocupação com o público. Predominava a mentalidade predatória, o espírito do capitalismo sem a ética protestante. (CARVALHO, 1990, p.30)  
           
Portanto, o “prato” principal servido pelos articuladores da proclamação da República foi exatamente este, onde o povo se era espoliado antes, naquele momento sofreu mais ainda os efeitos da corrupção e descaso para com seus interesses.   
Tem-se a sensação de que a obra mereceria um subtítulo no plural, uma vez que não se fala em o” imaginário da República, mas sobre vários embates dinâmicos para a construção de imaginários e seus respectivos símbolos. Nesse sentido, aliás, é fundamental no desenrolar do livro, que procura mostrar sempre as mediações e os conflitos existentes na criação e consolidação dos principais símbolos da república.

             O livro, mesmo sendo composto por alguns ensaios já publicados e de palestras realizados no Brasil, na França e nos Estados Unidos, ao lado de artigos inéditos, apresenta uma boa coerência interna, explorando muito bem o objeto propostos apresentando uma linguagem simples e fluente e não enfadonha. Os ensaios estão muito bem articulados entre si. Em entrevista, Carvalho diz que a história se aproxima mais da literatura do que da ciência, uma das razões pela opção da escrita fácil. O autor Inicia a análise pelos modelos políticos e filosóficos norteadores do positivismo, explorando tanto a aplicação prática destes no Brasil, como a adaptação sofrida neste processo.

            Pode-se citar como inovação neste livro a protagonizarão da história política pelo povo através dos mitos, imagens e representações populares que configurou a república daquela época. Outra inovação foi a farta documentação, como letras de músicas, charges, fotografias, cédulas e hinos, porém a que mais se fez presente foi a iconografia. Ele utilizou mais de cem, onde a mesmas dialogam com todo o texto.
             Apesar do brilhantismo, carvalho não saiu ileso. Os críticos acreditam que pela predileção que tinha pela monarquia, o autor não via com bons olhos o sistema republicano e essa visão se fez presente na obra.

            O livro possui 165 páginas e é dividido em seis capítulos. O primeiro Inicia analisando modelos políticos e filosóficos norteadores do positivismo, explorando tanto a aplicação prática destes no Brasil, como a adaptação sofrida neste processo. No segundo capítulo discute as diversas proclamações da República e o conseqüente impasse simbólico derivadas das lutas pela criação de um imaginário social entre as diferentes vertentes político-filosóficas externadas nas figuras simbólicas do Marechal Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamim Constant e Quintino Bocaiúva.
Já no terceiro capítulo depois de abordar o imaginário do "fato" (a proclamação da República), Carvalho analisa a construção de um mito de origem da República brasileira – Tiradentes – e suas diversas apropriações por diferentes (e até mesmo antagônicos) grupos sociais.
No quarto capítulo aparece a tentativa, segundo o autor, frustrada da criação de uma simbologia para a própria República, capaz de aproximar Estado e Nação, República e Brasil, como por exemplo, a apropriação do modelo francês Marianne, muitas vezes travestido da musa comtiana Clotilde de Vaux.
O quinto capítulo aborda a criação dos símbolos formais, da bandeira ao hino nacional, exigidos para qualquer Estado, os quais acabaram por tornarem-se muito mais representativos da Nação brasileira do que do Estado, ou melhor, do regime republicano.
O sexto e ultimo encerra a discussão com a retomada das questões anteriores, principalmente a aplicação dos modelos filosóficos comtianos no Brasil, com a finalidade de promover uma reflexão sobre a construção de um imaginário da República capaz de “amalgamar” o Brasil como Nação, isto é: enquanto “comunidade de sentido” ou “comunidade imaginada”, numa expressão de Benedict Anderson.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 165 p.

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