domingo, 6 de maio de 2012

ENSAIO: O PRAGMATISMO NORTE-AMERICANO


                       
                                                               Ronaldo Brasil dos Santos (graduando em História pela UFS)
Orientador: Prof. Dr. Luís Eduardo Pina Lima


INTRODUÇÃO

O presente ensaio se inicia com uma observação sobre seu título: norte-americano ao invés de americano. Sua escolha primou pela redução a seu corpo territorial e não à generalização ideológica de denominar o todo com apenas uma parte deste. Falamos de uma parte da América do Norte chamada América. A América possui muita diversidade para merecer tal generalização, o sul e o centro tiveram rumos históricos diferentes, raízes culturais diferentes, um ritmo de vida diferente da América aqui abordada.
A palavra América há muito tempo é usado para designar os Estados Unidos. Desde os tempos de colônia que os viajantes ingleses diziam vir para a América tentar uma nova vida. Na construção da nacionalidade norte-americana, após a Guerra de Secessão, a Doutrina Monroe já indicava a ideologia da expansividade dos norte-americanos. “Somos a América”. “A América para os americanos”. Essas frases, de maneira implícita, não indicavam a união entre os países de toda a América, ou qualquer ação com esse fim, mas o desejo dos norte-americanos de subjugar seus vizinhos. O lema da conquista sem fim, da expansão das fronteiras e de dominar o mundo, de muitas formas, faz parte da cultura norte-americana.
No universo pragmático norte-americano estão presentes valores que remetem as suas origens. As idéias que não tiveram chance de se desenvolver na metrópole inglesa, encontraram terreno fértil nas Treze Colônias. Isso se deveu, principalmente, a ausência de influências do catolicismo medieval entre os colonos que se sentiram a vontade para construir um mundo livre dos bloqueios religiosos da igreja de Roma. Para muitos a colônia não chegou a ser um paraíso, mas permitiu, sobretudo, a formação de uma sociedade empreendedora, nascida da libertinagem do mundo conservador católico.
 Prosperar virou a palavra de ordem dos colonos. Para esse verbo atingir o seu extremo significado, a ambição e a livre iniciativa fizeram estes colonos capazes de muitas coisas para obter lucro. A partir de então, lhe interessa conseguir as ferramentas e os meios necessários para alcançar seus objetivos, ou seja, ser essencialmente pragmático nem que tenha que criar realidades ou adaptar o real à fantasia.
Ao longo de sua história, o homem norte-americano se tornou mais competitivo, individualista, defensor de uma liberdade e democracia próprios da sua mentalidade. E o mais importante: sua religião permitia sua ambição.
Daí consiste seu trauma a sistemas pré-estabelecidos que definem o destino do homem. Este homem agora é dono do seu destino, não quer ser mais preso a sua história. Seu passado o denigre, seu futuro oferece liberdade, riqueza, esperança, a perspectiva do novo que é belo por nascer de sua imaginação.



A IDEIA DE CONQUISTA

A necessidade de conquista caminha ao lado do espírito empreendedor norte-americano. Neste sentido, conquistar vai muito além de ocupar um novo território. A palavra se modernizou assim como o país e hoje se refere principalmente à conquista de mercado consumidor. Consumo este que prolifera o estilo de vida norte-americano em outros países. Atualmente o mundo assiste a um acelerado crescimento tecnológico fomentado pelas necessidades criadas pelo modo de vida norte-americano. A histeria do novo leva ao exagero do consumo, o que traz certos prejuízos a natureza, por exemplo, o aumento no número de veículos e o conseqüente aumento da poluição. As grandes empresas norte-americanas espalham seus tentáculos pelo mundo, impondo o consumo de seus produtos, a reverências as suas marcas e a seus símbolos icônicos.
Nascidos da liberdade do lucro com a Reforma Religiosa do século XVI, os norte-americanos têm pressa de produzir mais para consumir mais e sua expansividade faz grande parte do mundo ser assim.
A conquista do oeste, lá na segunda metade do século XIX, não significa um afastamento dessa realidade, a distância é somente no tempo. O motor da conquista é a presença de um inimigo a ser vencido, o que muitas vezes na história fora construído mentalmente, geralmente alguém que, de certa forma, impediria seu expansionismo. Como no caso das bruxas que impediriam o expansionismo da fé puritana, os comunistas que ameaçaram a expansão do seu modelo econômico, os terroristas que tentam desequilibrar seu poder e o totalitarismo que ameaçava dominar e escravizar o resto do mundo. Já no velho oeste, os índios foram o principal empecilho da conquista e não as dificuldades do território não muito atrativo a princípio, necessitando de um pesado investimento para ocupar e desenvolver a região.



A CONSTRUÇÃO DA VERDADE: IDEOLOGIA E CINEMA

O filme tem um papel primordial de dar vida a um passado histórico, mostrando como a sociedade de uma época vê esse passado. Um discurso histórico é produzido pelo filme à medida que este tenta traduzir uma época com seu dicionário moderno. Como produto e instrumento ideológico, o filme se aproxima de um documento histórico, pois este é feito por um homem de carne e osso passível de erros, intenções e visões particulares sobre um fato histórico. A ideologia presente num filme ou num documento histórico, por sua vez, constrói verdades, o que faz parte das características da sociedade que o produz, detalhe que não deve ser desprezado na análise do historiador.
O cinema norte-americano se formou dentro de um projeto ideológico de uma nação que abandonava seu passado, mas também necessitava reconstruí-lo. Precisava de símbolos heróicos, idéias para que servissem de referência. Difícil foi ser tão perfeito quanto esses heróis idealizados.
A cinematografia norte-americana é uma rica fonte que ajuda a entender seus valores e como estes se reflete em sua história. A oportunidade de montar seu próprio cenário e escolher seu tipo de personagem, fez do cinema um meio profícuo de verdades multifacetadas, é nele que os mitos ganham vida e mostram ao mundo um padrão ainda não alcançado.
Nos filmes, a ocupação do oeste se deu de forma heróica com a expulsão e eliminação dos índios. Na verdade, heróica foi a ocupação de um território em grande parte semiárido e de possibilidades de sobrevivência incerta. Não fosse a intensa propaganda da existência de um Eldorado para atrair imigrantes talvez não desse tão certo. Na verdade a região oferecia muitos desafios e desilusões a seus habitantes. As efêmeras descobertas de minérios beneficiaram bem mais às grandes empresas que detinham o monopólio da exploração. Os meios de transportes a princípio eram muito precários. Havia lutas com os índios pelo domínio das terras. Muitos foram induzidos a morar em cidades que se quer existiam. Apesar dos percalços da ocupação, o velho oeste foi retratado nos filme de forma idealizada. Os norte-americanos sabem idealizar o passado tanto quanto o futuro. É neste cerne que reside o seu herói do faroeste: o cowboy.
Os vários heróis norte-americanos são adorados pelo mundo a fora. Desde criança se aprende, através dos desenhos, a gostar da perfeição destes mitos. Suas cores e gestos são adorados e repetidos invariavelmente nas brincadeiras infantis. Com o tempo, essa referência se transporta para os games e filmes. Mordemos a isca e passamos a consumir o biscoito e a pipoca com a cara do nosso super herói, que passa a ser o nosso anjo da guarda. Essa ação osmótica é inevitável. Quem nunca sonhou em ser o Super Homem ou o Capitão América? É sedutor! Mas voltemos ao cowboy.
Os filmes de John Wyne são um exemplo da construção de um personagem forte e valente, o desbravador do oeste, um infalível matador de índios. O cowboy, na verdade era um vaqueiro praticante de atividades campestres que conduzia o gado de uma região a outra, procurando um bom pasto para seu rebanho. Sua bravura estava presente nos rodeios, ao derrubar uma rês ou na disputa por mulheres. Nada de fabuloso. Sua vida de pecuarista era perigosa e cansativa, o que lhe conferia determinados valores. Talvez seu heroísmo residisse em conseguir povoar um território quase deserto e repleto de desafios.

“... Os cowboys percorriam a cavalo essas imensas extensões [do Texas], zelando pelo gado, trazendo ao estábulo os animais doentes, ajudando as vacas a parir, destruindo os animais nocivos, lutando contra os ladrões, recolhendo os animais isolados ou perdidos. O cowboy vivia de seu prestígio e levava uma existência ativa ao ar livre, embora tivesse perdido o essencial de suas atribuições. Nada impedia que continuasse sendo, em relação ao agricultor ou mesmo ao mineiro, o homem das ocupações nobres. Quando aparecia numa cidade, num sábado ou domingo, impunha sua superioridade tanto sobre as mulheres quanto sobre os outros frequentadores dos saloons e casas de jogo.” (FOHLEN, 1989, p. 126).




ESTADOS UNIDOS: UM PAÍS FRAGMENTADO

A maneira com que se apresenta para o mundo, principalmente a través do discurso político, mostra um Estados Unidos coeso e eficiente em tudo que faz. Os conflitos internacionais são encarados como uma guerra entre o bem e o mal em que o resto do mundo é chamado a guerrear do eu lado. Os Estados Unidos que são suprimidos da mídia é o das desigualdades, da xenofobia, o maior poluidor do planeta e praticante de crimes contra a dignidade humana. Bem, isso não aparece nos filmes. Sua realidade é também de um país dividido em guetos.
Como demanda se seu pragmatismo, não importa os meios, mas o objetivo final a ser alcançado. E a melhor maneira encontrada para não canalizar suas riquezas para outros países através dos imigrantes foi separar estes dos “verdadeiros” americanos. Além de uma forma de se proteger da miscigenação, de ataques de inimigos e separar pobres e ricos, imigrantes dos americanos de origem.



A MODERNIDADE POLÍTICA E O LIBERALISMO ECONÔMICO
A modernidade política norte-americana tem origem na nação que a gestou. Em pleno século XVI a Inglaterra rompia com a igreja católica, o poder do parlamento crescia, a burguesia se fortalecia, a política de cercamentos projetava o avanço do novo modelo econômico: o capitalismo, o poder absoluto do rei é questionado, um fato inglês que abalou o mundo foi ter um rei sendo guilhotinado e, enfim, a Revolução Industrial. Enquanto que em países como França, Espanha e Portugal o poder do rei e da igreja católica prevaleciam com mais força.
É notório que a Inglaterra do século XVII já se acostumara com a idéia do lucro. Suas Treze Colônias da América acabaram sendo o refúgio dessas idéias, o que possibilitou o desenvolvimento de um espírito do capitalismo fertilizado pela  ética protestante. Não somente uma elite intelectual puritana teve chance no “novo mundo”, as péssimas condições de trabalho na cidade e a expulsão do camponês de seu trabalho reacenderam a esperança da prosperidade, ilustrada nas palavras de Jean-Pierre Fichou:

“... O sistema estabeleceu-se solidariamente nesse país, pois todas as condições lhe eram favoráveis: os imigrantes, acostumados a trabalhar a força para um proprietário de bens, tinham livre acesso a terra e sua propriedade era protegida pela lei. A opinião pública e as igrejas consideravam o trabalho a atividade mais digna, enquanto a nobreza européia celebrava a ociosidade. Os poderes públicos velavam pelo respeito à liberdade de empreender, enquanto que as guildas européias operavam como guarda-caça.” (FICHOU, 1990, p. 94).

Os princípios da livre iniciativa e da liberdade do lucro vão influenciar bastante no liberalismo econômico até os dias atuais. O Estado não pode barrar o avanço da economia nem interferir em suas decisões. Sua relação é de puro assistencialismo, ou seja, se a economia vai mal o Estado deve intervir para reequilibrá-la. Casos como a assistência do Estado na crise de 1929 não foram raros na história dos Estados Unidos. Inclusive, o Estado é o grande consumidor, a exemplo, a indústria bélica que fornece armamento para o exército americano, pago pelo Estado. Essa relação interfere decisivamente no apoio político que o presidente pode angariar para se manter no poder. Hoje esse modelo de relação ente Estado e economia se mundializou, obrigando muitos países a atender prioritariamente os interesses das multinacionais sobre pena de sofrer restrições econômicas ou até ser considerados inimigos.
Essa supervalorização do econômico o faz tão pragmático a ponto de esquecer sua história, sua cultura acaba sendo enterrada como um prédio antigo que precisa ser demolido para dar lugar a um novo. Os heróis são esquecidos para dar lugar a outros. Seu mundo é artificial. O homem norte-americano é nômade, nada o prende em lugar algum, pode trabalhar, se alimentar e se divertir em movimento, dentro do seu carro. Até mesmo sua casa pode mudar de lugar, é o país inventor dos trailers, da cadeira de balanço que mesmo parada se movimenta.
Esse mundo dinâmico e competitivo em que alguém tem que perder para outro ganhar, prevalece a lei do mais forte sobre o mais fraco advindas de interpretações do darwinismo social. Isso quer dizer que a pobreza e miséria aguda de muitas nações pelo mundo é justificada pela riqueza daquele que foi mais capaz e empreendedor. Essa máxima está enraizada nos valores norte-americanos que encara sempre o resto do mundo como seu rival, adversário de um jogo onde um vai subjugar o outro, se preocupando o tempo todo em conquistar, derrotar um inimigo. Os espólios que se encontram em muitos países hoje é fruto do triunfo norte-americano sobre o resto do mundo.
Seu pragmatismo também o impede de levar em consideração fatores considerados de suma importância como a aquecimento global. Ao se recusar a assinar o Protocolo de Kyoto, os Estados Unidos confirmam o seu lema de que a produção e o consumo não podem parar. Até hoje o mundo se pergunta o porquê das duas bombas no Japão se a guerra estava ganha. Os americanos não poderiam, é claro, perdem a oportunidade de assustar o mundo. Dizer apenas: “não ameace a nação mais poderosa do mundo”. Seus princípios ainda continuam a sacrificar os direitos humanos na prisão de Guantánamo e também a saúde do planeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ser sempre eficiente, perfeito como seus heróis e atingir uma totalidade, conseguir um objetivo por mais doloroso que seja. Os Estados Unidos lançam sobre si uma responsabilidade sobreumana. Até quando o peso dessa responsabilidade será suportado? Quais suas conseqüências para o mundo?
Após o fracasso na Guerra do Vietnã na década de 1960, os americanos passaram por uma série de traumas que não significavam nada além do simples fato de aceitar uma derrota. Seus heróis também enfrentam inimigos fortes, passam por crises e adquirem características humanas, era um sinal de que a megalomania do triunfo chegara à exaustão.
Nas últimas décadas a histeria se reacende, é preciso derrotar mais inimigos. O socialismo recua com a queda do muro de Berlim, porém é preciso conquistar mais e intensificar sua presença no Oriente Médio, sedento por petróleo em abundância em muitos países da região. O ataque as torres gêmeas em 2001 representou uma das maiores ameaças ao seu império ao longo da história, além de também ser mais uma derrota. O inimigo da vez é o terrorismo, embora também atue na eliminação de ditadores ou governos que não aceitam sua influência. Procurou ser exemplar a si mesmo na guerra contra o Iraque e Afeganistão, pois eram os seus aliados infiéis. Triunfa com a execução de Sadan Husen e Osama Bin Laden, mas o medo do terrorismo e das armas nucleares são o suficiente para manter uma espécie de “guerra fria” que atualmente circula nas mentes dos norte-americanos. Prefiro encerrar com duas reflexões: até quando o pragmatismo norte-americano vai lhe ser útil? O que poderá ocorrer quando inevitavelmente surgirem maiores derrotas aos Estados Unidos?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERRO, Marc). Cinema e História. tradução de Flávia Nascimento, Rio de Janeiro/RJ: Paz e Terra, 1992. p. 70 – 115.
FICHOU, Jean Pierre. A civilização americana. tradução de Maria Carolina F de Castilho Pires Campinas/SP: Papirus, 1990.
FOHLEN, Claude). O faroeste (1860 – 1890). tradução de Paulo Neves, São Paulo/SP: Companhia das Letras, 1989.
HELMAN, Lilian). A caça às bruxas. tradução de Tonie Thomson, Rio de Janeiro/RJ: Francisco Alves, 1981, p. 01 – 21.
HILLS, Ken. A Guerra do Vietnã. tradução de Valter Lellis Siqueira, Editora Ática, s/d.
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: da colônia à independência. São Paulo/SP: Contexto, 1990.
NARO, Nancy Priscilla S. A formação dos Estados Unidos. 3ªed. São Paulo/SP: Atual, 1988.

REFERÊNCIA FÍLMICA
CARVALHO, Walter (fotografia). América. Texto de João M. Lopes, narração de José Wilker. Vídeo filme, Rede Manchete, s/d. 4 episódios.
HYTNER, Nicholas. As bruxas de Salem (The crucible). EUA, Twentieth Century Fox, colorido, 1996, 123 min.
KAPUR, Shekhar. Elizabeth. Waner Home vídeo, Poligrant Filmed Entertainment, USA, 1998. 102 min.

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