sexta-feira, 4 de maio de 2012

RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA A GARARU E PORTO DA FOLHA/SE NO CICLO DE ESTUDOS “O SERTÃO TEM HISTÓRIAS”


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
TEMAS DE HISTÓRIA DE SERGIPE II





RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA A GARARU E PORTO DA FOLHA/SE NO CICLO DE ESTUDOS “O SERTÃO TEM HISTÓRIAS”




RONALDO BRASIL DOS SANTOS






São Cristóvão/SE,
Abril de 2012








Relatório sobre visita técnica ao sertão sergipano no ciclo de estudos “O Sertão tem Histórias” apresentado a disciplina Temas de História de Sergipe II, sob a orientação do professor Dr. Antônio Lindivaldo Sousa.




  


1.      INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

Visando a formação de um profissional mais consciente e interado com a História local, as atividades desenvolvidas foram de suma importância, pois serviu de vivência prática necessárias à formação do profissional de História. Estando tão perto de nós, às vezes parece inacreditável que exista no sertão tantos acontecimentos que ajudam a entender a História de Sergipe. Mas com a visita, entende-se que é fato. O sertão sergipano mostra como se desenvolveu nos primeiros séculos de colonização a sociedade do couro, diferente de muitas regiões do Brasil, as quais se destacaram na produção em larga escala do açúcar. Mas como essa sociedade se dinamizou e conseguiu se sustentar? Não só do açúcar viveu o homem sergipano, a criação de gado foi fundamental para a sobrevivência da população de muitas vilas locais e regiões afastadas.

2.      RELATO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

2.1 VISITA TÉCNICA GUIADA A IGREJA DE GARARU E AULA PÚBLICA DO PROFESSOR DR. ANTÔNIO LINDIVALDO SOUZA- dia 14/04/2012 (sábado pela manhã)
A visita técnica guiada à igreja de Gararu foi o primeiro holl de percepções que se pôde ter sobre a História do município.
A igreja de Gararu, datada de 1910, fica às margens do Rio São Francisco. No seu interior observou-se a disposições de imagens que simbolizam a forte presença do catolicismo do Vaticano I (catolicismo tradicional), além do seu alto nível de preservação, com imagens representativas da religiosidade local, como o Bom Jesus dos Navegantes, o Cristo morto, entre outras.
2.2 VISITA TÉCNICA GUIADA AO CURRAU DAS PEDRAS EM GARARU- dia 14/04/2012 (sábado à tarde)
A poucos quilômetros da igreja de Gararu e próximo às margens do rio São Francisco fica a fazenda Sr. Pedro, onde há imensas cercas de pedras que, durante muito tempo, fora feita com a maestria do Sr. Brasiliano, amigo de seu Pedro.
As cercas da fazenda de seu Pedro são interessantes não somente pela técnica utilizada, pois as pedras ficam bem encaixadas umas sobre as outras, mas pela história que essas construções possuem e sua importância para a sobrevivência da população, sobretudo, relacionadas à produção de arroz na região.
O principal objetivo das cercas de pedras era não permitir que o gado avançasse nas plantações de arroz, muito presentes na região até a década de 1980, quando a hidrelétrica de Xingó represou a água do rio, fazendo com que fossem extintas as enchentes anuais do São Francisco. Essas construções foram possibilitadas pela conveniência da abundância de pedras na região, o que eximiu, de certa forma, o desmatamento para a construção de cercas de madeira.
Era com a fertilidade advinda das águas do rio São Francisco que a população local produzia sua subsistência e em maior escala para outras regiões. Além do arroz, o feijão, milho, algodão e etc. Hoje, segundo seu Pedro, a vida se tornou mais difícil, pois houve a ampliação de áreas secas e consequentemente a obrigatoriedade de consumir o arroz industrializado, produto base na alimentação, além de se tornar mais difícil criar o gado, elemento importante na alimentação e que também se viu atrelado a mercantilização da região, como a produção de couro, sobretudo no século XIX. De acordo com seu Pedro a alimentação do gado hoje é a palma, rolão (palha de milho seca com a espiga e picada) e não mais a palha do arroz.
A prática da pecuária extensiva é a marca da região, além da criação de caprinos e ovinos, mais resistentes a seca, tendo sua criação substituído os suínos, estes por necessitarem de um solo mais úmido.
No aspecto cultural seu Pedro destaca a Festa do Cruzeiro da Missão de Gararu comemorada no dia 10 de maio e por muito tempo sob cortejos e procissões, além das festas, destacando suas mudanças como, por exemplo, hoje se resumindo somente à missa.

2.3 VISITA TÉCNICA GUIADA À IGREJA DE PORTO DA FOLHA E AULA PÚBLICA DO PROFESSOR DR. ANTÔNIO LINDIVALDO SOUZA- dia 14/04/2012 (sábado à tarde)
      
A igreja de Porto da Folha (1861) representa o Vaticano II (Teologia da Libertação). Nela podemos observar diferenças bastantes significativas comparadas á igreja de Gararu. Porém, o que mais chamou a atenção foi o altar pintado com imagens do cotidiano dos moradores, destacando a figura do vaqueiro, do lavrador, da costureira (bordadeira), a professora, o plantio de arroz, a pesca e o comércio. Tudo isso com a figura central do Cristo e de uma pomba, símbolo da paz.
            A representação desse altar bastante peculiar conta a história do município destacando o homem comum, lembrando o período áureo do cultivo do arroz e mostra a cultura cotidiana das pessoas. Não importa se alguém está de costa para o Cristo (algo inadmissível para o catolicismo tradicional), mas que Deus, a natureza e o homem fazem parte de um conjunto harmônico.
            O altar foi pintado em 1970 por um frei da região. Em pleno auge do Regime Militar, fica evidente ser o altar representativo do posicionamento da igreja no momento com relação à ditadura. Séria então possível imaginar um altar desse tipo ser tachado de comunista ou subversivo, já que vivíamos um período ideologicamente conturbado.

2.4 VISITA TÉCNICA À ILHA DO OURO EM PORTO DA FOLHA E CONFERÊNCIA “O SERTÃO TEM HISTÓRIAS” COM O PROFESSOR DR. ANTÔNIO LINDIVALDO SOUZA E ANTÔNIO CARLOS DO ARACAJU- dia 14/04/2012 (sábado à noite)

            Às margens do Rio São Francisco foi realizada a aula pública “O Sertão tem Histórias”. Através das explanações do professor Lindivaldo podemos perceber a importâncias do sertão para a História de Sergipe. Baseando-se na tese da dissertação do professor Dr. Francisco Colos Teixeira da Silva da Universidade Federal Fluminense que escreveu sobre “Camponeses e criadores na fronteira social da miséria”, o professor situou-se no contexto da história da região a importância de se conhecer outras histórias e não apenas a história celebrativa dos “grandes homens” ou “heróis” da História, mas entender a papel de outros atores da História, como índios, negros e mulheres. Muitos elementos que marcam o processo de colonização de Sergipe estão presente na região, por exemplo, a criação de gado, fortemente significativa antes e durante o auge da produção de açúcar no século XIX. Assim como o processo de expulsão dos índios e da população pobre para o sertão do Estado com a mercantilização da economia, principalmente no século XIX. E, por fim a História do catolicismo na região.
            As formas de acesso a terra no sertão a partir da lei de terras de 1850 e com o morgado (somente o filho primogênito recebe as terras do pai)  passou a ser bem restrita, ao mesmo tempo em que a terra era o principal meio de sobrevivência de ascensão social. Com essa lei surge a necessidade de demarcação das terras em meio a tantas terras devolutas que passaram a pertencer ao Estado, ou seja, para adquirir terras o proprietário teria que comprá-las. Esse fator contribuiu para exclusão de quem não tinha condições de comprar terras, inclusive perdendo as suas para latifundiários que as adquiriam em cartório. Esse foi o caso dos índios Xokó, que perdem o direito sobre suas terras após o decreto provincial que não os consideravam mais índios. A partir de então a população dos Xokó inicia uma luta cansativa para reconquistar esse direito.
            Porto da Folha, durante muito tempo exerceu forte influência sobre Gararu, esta, antes sendo anexada a Porto da Folha com o nome de Currau de Pedras, já atual a cidade de Porto da Folha chama-se Ilha de São Pedro. No século XX, Porto da Folha se destaca na produção de couro (sola). Das famílias de latifundiários dominam a região: os Feitosa e os Brito. Essas famílias exportam além da sola, o ouro branco, algodão e, num certo momento, o porco. É no século XX que ocorre um significativo desenvolvimento da região quando são construídas estradas para o escoamento da produção.
            Com a produção em larga escala a população pobre é empurrada para o semi-árido, sobretudo, por conta de cobiça das áreas mais férteis (ás margens do São Francisco) pelos grandes proprietários de terras. Devido a essa expropriação, Porto da Folha sofreu um acentuado declínio populacional, quadro que só vai ser revertido com a lógica do ¼, ou seja, de cada 10 cabeças de gado 1 ficaria para o vaqueiro, incentivando-o a permanecer na terra.
Outro ponto importante para entender a sociedade do couro do sertão sergipano são suas condições de subsistência numa sociedade com altas taxas de natalidade e mortalidade, fator que favorece atuação do assistencialismo da igreja católica.
E o papel do negro nesta sociedade? A escravidão no sertão foi propiciada, sobretudo, com a chegada de negros fugidos do Vale da Cotinguiba. Dados estatísticos evidenciam que, na primeira metade do século XIX, existiam 45% de negros na população do sertão o que logo diminui para 10%, devido a mortes por doenças e migração para áreas do cultivo de café. No sertão, esses negros foram criadores, produtores de alimentos e destinados a serviços domésticos.
A situação do índio é importante para entender o jogo de interesses dos latifundiários sobre a propriedade da terra na região. Inúmeros conflitos e mortes foram travados entre os Xokó e pistoleiros a serviço das elites locais. Além de servirem de mão-de-obra escrava foram obrigados a cederem suas terras e terem seus aldeamentos destruídos para dar lugar a mercantilização dessas terras.
Através das explanações de Antônio Carlos do Aracaju evidenciaram-se, além de curiosidades sobre os currais de pedra e a produção de arroz, alguns aspectos geográficos da região, mais especificamente sobre a Ilha do Ouro que deixou de ser ilha com a mudança curso do riacho Capivara na região de salitre. É nessa área que vai Haver um imenso currau de pedra que separava o gado da plantação de arroz quando o rio São Francisco transbordava.

2.5 VISITA TÉCNICA GUIADA À ALDEIA DOS ÍNDIOS XOKÓ E PALESTRA DO EX-CACIQUE APOLÔNIO XOKÓ- dia 15/04/2012 (sábado à tarde)

            A visita a aldeia dos índios Xokó foi bastante proveitosa, o que contribuiu positivamente para o entendimento da história de luta dos índios para preservarem sua cultura e terem algum direito sobre suas terras.
            Desde a chegada dos europeus ao Brasil no século XVI que se iniciou o processo de aculturação dos índios e de inserção destes na sociedade que se construía.
            A história dos índios Xokó representa o desenrolar destes séculos de conflitos entre índio e homem “civilizado”.
De acordo com as explanações do ex-cacique Apolônio, os Xokó se estabeleceram na Ilha de São Pedro, às margens do Rio São Francisco no Município de Porto da Folha no ano de 1979, vindos expulsos de uma região próxima, chamada Caiçara. Essa região, segundo Apolônio, fora demarcada no ano de 1859 como terra indígena pelo imperador D. Pedro II. No século XX essa demarcação foi ignorada pelos grandes proprietários de terras da região que realizavam verdadeiras caçadas a fim de exterminar a comunidade e se apropriarem de suas terras.
Ainda segundo Apolônio, no mesmo ano de 1979 a justiça local expede um mandado de despejo dos 129 índios que residiam na ilha a pedido do latifundiário Carlos Aires de Brito. Seguido de resistência dos índios, do apoio de D. José de Castro, do Frei Enoque e dos estudantes e professores da Universidade Federal de Sergipe foi finalmente encaminhada a permanência dos índios. Ocorre um processo de legitimação das terras indígenas finalizado com uma nova demarcação em 1988 através da FUNAI. O Estado compra as terras e devolve aos índios. Nesse processo foi constituída a Comissão Pro-índio e elaborado um relatório pela antropóloga Beatriz Góis Dantas que foi muito importante na comprovação da legalidade da posse.
Hoje, os Xokó se mostram vitoriosos por terem conseguido o direito de permanecerem em suas terras e agradecidos a todos que ajudaram, especialmente a Universidade Federal de Sergipe. São cerca de 5 mil pessoas que atualmente habitam na comunidade, com relativa auto subsistência, com governo e forma de organização social próprias.
Os conflitos entre os índios Xokó o os grandes proprietários de terras, especificamente os Brito e os Pacheco, foram causados pelo processo de mercantilização da produção no sertão. Para expandir as fazendas de gado para a venda em massa de couro e outros produtos, esses latifundiários tentavam a todo custo se apropriarem das melhores terras e a Ilha de São Pedro demonstra extrema fertilidade em meio a seca do sertão, propiciada pela proximidade com o Rio São Francisco. Logo ao se estabelecerem, os Xokó foram proibidos, inclusive, de cultivar arroz e pescar, ou seja, os latifundiários tinham interesses nítidos de fazer desaparecer a comunidade e de se apropriarem de suas terras, em grande parte muito férteis.
Outro fator interessante observador na visita foi o sincretismo entre a cultura indígena e do homem branco. Uma igreja católica numa aldeia de índios mostra que o índio de hoje e bem diferente do que viveu no século XVI, assim como qualquer outro povo. A igreja e bem conservada e cuidada, nela são praticados os rituais da comunidade e louvores ao deus Tupã em meio a imagens de santos e ao altar extremamente católico.

3.      CONCLUSÃO

A visita técnica realizada como parte da metodologia do professor Dr. Antônio Lindivaldo Sousa na disciplina Temas de História de Sergipe II foi bastante profícuo, pois instigou a produção acadêmica sobre o sertão sergipano, ainda muito insipiente e carente de novas descobertas, além de agregar à formação do professor de História o entendimento da História de Sergipe em um contexto mais amplo do que é transmitido atualmente, de forma ingênua, em alguns meios de informação. É preciso que o professor da educação básica também transmita essa História para seus alunos, construindo o conhecimento a partir de uma realidade que tenha a ver com eles.


ANEXO

“Nós povos indígenas, ao longo desses anos, continuamos construindo um mundo com maturidade, sabedoria e, acima de tudo, com persistência, determinação e convicção. Sabemos que a dor nos machuca, mas, também nos ensina a viver. Este chão que o povo do mundo “civilizado” pisa são cinzas e o sangue do nosso povo quando tivemos que enfrentar os primeiro invasores que aqui chegaram a mais de 500 anos atrás, trazendo em uma mão a cruz e em outra a espada, destruíram parte da nossa cultura, nosso território, a caça, o peixe, nossos rios , lagos, riachos. Uma coisa eu digo não conseguiram tirar do índio o que é ser índio. Portanto reafirmo meu compromisso em defesa dos direitos sagrados e constitucionais do meu povo.”
Apolônio Xokó
EX- Cacique

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